Efeito dominó
Sim. Entendo que as faculdades de Letras não têm o objetivo primário de ensinar, sistemática e exclusivamente, gramática normativa durante todos os semestres. (Elas, em geral, nem ensinam.) Ainda assim, a grande maioria dos que se formam nos cursos de Letras vão acabar, voluntária ou involuntariamente, dentro duma sala de aula, atuando como professor de Língua Portuguesa, ensinando — adivinhe o quê?! — gramática normativa. Logo, temos aí um impasse.
(Ok, esse impasse pode ser resolvido fazendo o que toda pessoa em situação de desconforto e necessidade acaba fazendo: “se virando”.)
Algo nesse sentido deveria mudar lá dentro? Pergunta retórica, sobretudo sendo isso uma queixa constante entre muitos alunos que já começaram a dar aulas em colégios e cursos, vendo-se diante da realidade nua e crua: a obrigatoriedade de ensinar (também e, em muitos casos, principalmente) gramática normativa. E aí, como ignorar esse fato?
Infelizmente as faculdades de Letras pensam que o aluno do ensino médio já entra no curso dominando as regras gramaticais. Mas a verdade é que pouquíssimos as dominam.
Ficamos quatro anos dentro duma faculdade aprendendo tudo (muita coisa importante, claro)... menos aquilo que mais precisamos saber para ensinar uma importante faceta da língua e, muitas vezes, nos firmar no mercado de trabalho: a famigerada gramática normativa.
Pior ainda... Ela é alvo de crítica (e, eventualmente, de chacota) na boca de muitos professores de grandes universidades. Em alguns casos, pasmem, há um desprezo explícito ao ensino da norma-padrão. “Ain, regrinhas...”
É surreal! Não faz o menor sentido. E é uma hipocrisia, pois todas as teses e documentos oficiais dentro das universidades precisam seguir (adivinhe o quê?) a norma-padrão. Os mesmos que a criticam escrevem seus livros e artigos de acordo com (adivinhe o quê?) a norma-padrão. Os próprios professores, em geral, exigem que se escrevam as respostas das provas e dos trabalhos escritos consoante a norma-padrão. Oxe!
Pense: como um graduando vai escrever de acordo com um conjunto de regras depreciado e praticamente não ensinado (nem instrumentalmente, em geral) no programa do curso de Letras?
(E olhe que nem estou falando do ensino sério da Gramática Normativa, e toda sua contígua tradição bibliográfica — quanto a isso, nem um cheirinho, em geral. Sim, a gramática normativa e o seu ensino é muito mais do que aquilo que a gente aprende em sala de aula no ensino básico.)
Enfim, sabe qual é o resultado do pouco valor dado à gramática normativa nas universidades brasileiras, em geral?
Resposta: professores despreparados, inseguros, tendo que se virar para aprender uma fatia importante do que não foi ensinado para ensinar o que não aprenderam no curso superior. Um baita contrassenso!
Isso aconteceu comigo e com a maioria esmagadora dos meus amigos. Sim, todos tivemos que nos virar, estudar por fora para aprender gramática normativa na marra, para não passarmos vergonha em sala de aula diante dos alunos (sobretudo aqueles que vão fazer concursos para escolas técnicas, militares, superiores e outros órgãos, como faculdades e instituições públicas).
Assim, formam-se muitos professores despreparados (nesse sentido) que formam alunos despreparados que vão entrar despreparados nas Faculdades e vão se formar como professores despreparados. Um ciclo sem fim, gerando um efeito dominó.
Como dizem os portugueses, “é lidar”...
Pest, acho que a falta de gramática normativa na faculdade é proposital, fruto do plano de emburrecer a população mesmo